Na pandemia, indústrias se movimentam para inovar
- Cícero Caiçara Junior

- 11 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
Indústrias brasileiras tradicionais têm modernizado sua produção com o apoio de startups.
Da noite para o dia, as linhas de produção no tradicional polo automotivo de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, praticamente pararam. Quando a disseminação do novo coronavírus começou a ganhar velocidade no Brasil, a multinacional alemã Mercedes-Benz precisou fechar temporariamente sua fábrica de caminhões no bairro industrial de Pauliceia.
Os diferentes impactos da pandemia não se limitaram a seus cerca de 6.200 funcionários: alcançaram os 280 pontos de venda da marca espalhados pelo país e todo o setor de veículos comerciais.
Subitamente, a tendência de digitalização do negócio de venda de caminhões tornou-se uma urgência. Mas a solução encontrada para acelerar a estratégia que lhe permitiria atravessar a crise com menos danos estava do lado de fora dos portões da montadora, na startup Mobiauto, que criou um novo modelo de classificados de veículos.
“Decidimos rasgar o protocolo típico de uma grande empresa para conseguir implementar inovações. Buscar parcerias envolve admitir que não teremos todas as soluções dentro de casa, e esse processo é doloroso, exige desapego”, afirma Roberto Leoncini, vice-presidente da Mercedes-Benz do Brasil.
A colaboração entre a centenária montadora e a startup, que nasceu em 2019 em São Paulo com foco em automóveis, permitiu desenvolver em apenas três semanas o show-room virtual da Mercedes-Benz, catalogando todo o estoque da rede e conectando clientes a concessionários.
A digitalização das vendas dos caminhões Mercedes-Benz é um exemplo do movimento de modernização da indústria pesada que ganhou velocidade nos últimos anos. Cada vez mais frequentemente, o caminho da inovação é percorrido com o apoio de empresas seminais de tecnologia.
Segundo a 100 Open Startups, empresa que monitora o ecossistema brasileiro de inovação aberta, o número de contratos entre startups e grandes empresas de todos os setores cresceu 20 vezes nos últimos cinco anos. Só nos últimos 12 meses, 1.635 empresas fecharam parcerias com startups brasileiras.
A fabricante de cosméticos Natura, a siderúrgica ArcelorMittal e o banco BMG foram os grupos com maior número de contratos fechados no período. “A inovação aberta passou a ser sinônimo de relacionamento com startups.
Outros tipos de inovação, com centros de pesquisa e universidades, continuam existindo, mas a busca por parcerias com startups cresceu de forma exponencial”, diz Bruno Rondani, fundador da 100 Open Startups. Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 44% das indústrias entrevistadas não têm uma área dedicada à inovação.
Cerca de 90% nunca se aliaram a uma startup para inovar e 51% nem sequer têm interesse em estabelecer uma parceria com elas. “Setores altamente regulados são mais difíceis para uma startup entrar e se desenvolver, por isso é menos comum ver parcerias com a indústria”, afirma Ilana Nasser, diretora de relações institucionais da Endeavor Brasil.
Em busca de soluções tecnológicas para reinventar seu negócio ou entrar em novas áreas, as manufaturas brasileiras se inspiram em gigantes internacionais, como o buscador Google, mas têm na fabricante de motores elétricos catarinense WEG seu maior modelo nacional, segundo a pesquisa da CNI.
Com um departamento interno de inovação, a catarinense teve 44% da receita de 2019 proveniente de produtos lançados ou atualizados nos últimos anos. Em 2020, decidiu pisar no acelerador: mais do que simplesmente contratar empresas de tecnologia para desenvolver soluções, decidiu absorver startups.
Em 2020, 78 fusões e aquisições de startups já foram realizadas no país, um número recorde segundo análise da Distrito, organização que faz pesquisas sobre empreendedorismo no Brasil. O volume acumulado em 2020 é 27,8% superior ao de todo o ano de 2019.
O dado mais recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre os investimentos dos países em pesquisa e desenvolvimento escancaram o atraso do Brasil. O setor público e a iniciativa privada dos Estados Unidos investiram, juntos, mais de 550 bilhões de dólares em P&D em 2017. Valor semelhante foi aplicado pela China no mesmo período. Por aqui, o montante foi de apenas 40 bilhões de dólares naquele ano.
As vantagens de inovar são claras. Mas formar essa consciência é apenas o primeiro passo de um longo e complexo processo. Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, reforça a importância de departamentos ou áreas dentro da empresa que possam fazer a mediação entre os parceiros.
“A cultura mais flexível e ágil de uma startup se contrapõe à estrutura tradicional e hierarquizada das grandes empresas”, diz o especialista. “As duas equipes têm de trabalhar juntas para desenvolver as soluções, pois uma boa ideia precisa ser adaptada e customizada para determinado produto ou serviço.”
Fonte: CNI





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